A Líbia não reúne as condições para ser considerado “um porto seguro para desembarque” de migrantes, garante fonte oficial da Comissão Europeia, citada pelo semanário Expresso. As declarações surgem depois de um navio de bandeira portuguesa, que resgatou cerca de 100 migrantes saídos da Líbia, os ter devolvido à Guarda Costeira daquele país, violando a lei internacional relativa ao resgate de refugiados no mar.

“O dever de prestar assistência a pessoas ou navios em situação de emergência no mar está previsto pela lei internacional. Todos os navios que naveguem com bandeiras de Estados-membros estão comprometidos com a lei internacional no que diz respeito a salvamentos e devem assegurar que as pessoas resgatadas são levadas para um porto seguro. Não acreditamos que estas condições estejam neste momento asseguradas na Líbia”, refere a Comissão Europeia, segundo nota enviada e citada pelo Expresso.

Esta quinta-feira, a organização não-governamental Humans Before Borders acusou o Estado português e o armador do navio alemão de bandeira portuguesa “Anne” de violarem a lei ao permitir o desembarque na Líbia de migrantes recolhidos no Mediterrâneo.

“Na nossa opinião foi cometido um delito, por parte do navio, do Direito privado português, que foi colocar as pessoas em perigo, […] e, por parte do Estado português, possivelmente uma violação da Convenção do Mar e da Convenção de Resgate Marítimo”, segundo a qual “o Estado [bandeira] tem que assegurar que o mestre do navio coloca as pessoas em porto seguro”, disse à Lusa Pedro Pedrosa, ativista da Humans Before Borders (HuBB).

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Pedro Pedrosa acrescentou que a organização, com sede em Portugal, vai “estudar todos os mecanismos legais” pertinentes.

Contactado pela Lusa, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, afirmou que, ao tomar conhecimento de que o navio mercante tinha sido instruído por Malta a desembarcar os migrantes na Líbia, “Portugal desenvolveu diligências junto da Comissão Europeia, da Alemanha e de Malta para tentar encontrar uma alternativa de desembarque, segundo as regras legais e as melhores práticas europeias”.

Essas práticas, precisou, são “o desembarque no porto seguro mais próximo e subsequente acolhimento das pessoas por vários Estados-membros”, entre os quais, “naturalmente Portugal”.

O desembarque das pessoas no porto de destino, na Líbia […], acabou por ocorrer antes que as diligências diplomáticas acima descritas tivessem tido efeito útil”, afirmou o ministro.

O caso envolve o navio de carga alemão “Anne”, de bandeira portuguesa, que na segunda-feira recolheu cerca de 100 migrantes no Mar Mediterrâneo a pedido de Malta.

Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português, o navio recebeu então instruções do centro de salvamento de Malta para entregar os migrantes à guarda costeira líbia, mas, na terça-feira, não tendo sido abordado pela guarda costeira líbia, o navio foi instruído pelo mesmo centro de salvamento a dirigir-se ao porto líbio de Misrata e aguardar autorização das autoridades locais para desembarcar as pessoas, o que ocorreu na quarta-feira ao fim do dia.

Segundo a HuBB, nos dois dias em que teve os migrantes a bordo, o responsável do navio comunicou com o MNE e com as autoridades maltesas e líbias na tentativa de encontrar um porto seguro, mas não recebeu quaisquer soluções para o desembarque das pessoas.

Em comunicado, divulgado na terça-feira, antes do desembarque, a HuBB pediu uma “ação urgente” do MNE e referiu ter informado o Ministério e o armador do navio de que “o desembarque destas pessoas em solo líbio representa uma grave violação dos tratados internacionais e de Direitos Humanos por parte do governo de Portugal e uma violação do Direito Penal Português por parte da sociedade em causa”.

Na terça-feira, em face da ordem dada por Malta ao navio para transferir os migrantes para um navio líbio, Augusto Santos Silva disse à Lusa que tinha instruído os serviços jurídicos do MNE a “angariar o maior numero de informações possível” para decidir se há ou não lugar a comunicação às autoridades da União Europeia (UE) de uma ação de Malta contrária à lei internacional.

“Temos todo o interesse em apurar, tanto quanto pudermos, tudo o que se passou, para saber se um navio de bandeira portuguesa foi involuntariamente envolvido numa operação que não estaria conforme com o Direito internacional”, disse então o ministro.

Na resposta à Lusa esta quinta-feira, Augusto Santos Silva frisou que “como sempre, Portugal está disponível para participar numa solução europeia de acolhimento das pessoas resgatadas, cumpridos os preceitos legais aplicáveis nestes casos, designadamente quanto ao desembarque no porto seguro mais próximo, e no respeito pelo princípio da solidariedade europeia, quanto ao subsequente acolhimento das pessoas desembarcadas”.